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RESISTIMOS HÁ 519 ANOS
E CONTINUAREMOS RESISTINDO
Nós, mais de 4
mil lideranças de povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil,
representantes de 305 povos, reunidos em Brasília (DF), no período de 24 a 26 de
abril de 2019, durante o XV Acampamento Terra Livre (ATL), indignados pela
política de terra arrasada do governo Bolsonaro e de outros órgãos do Estado
contra os nossos direitos, viemos de público manifestar:
O nosso veemente
repúdio aos propósitos governamentais de nos exterminar, como fizeram com os
nossos ancestrais no período da invasão colonial, durante a ditadura militar e
até em tempos mais recentes, tudo para renunciarmos ao nosso direito mais
sagrado: o direito originário às terras, aos territórios e bens naturais que
preservamos há milhares de anos e que constituem o alicerce da nossa
existência, da nossa identidade e dos nossos modos de vida.
A Constituição
Federal de 1988 consagrou a natureza pluriétnica do Estado brasileiro. No entanto,
vivemos o cenário mais grave de ataques aos nossos direitos desde a
redemocratização do país. O governo Bolsonaro decidiu pela falência da política
indigenista, mediante o desmonte deliberado e a instrumentalização política das
instituições e das ações que o Poder Público tem o dever de garantir.
Além dos ataques
às nossas vidas, culturas e territórios, repudiamos os ataques orquestrados
pela Frente Parlamentar Agropecuária contra a Mãe Natureza. A bancada ruralista
está acelerando a discussão da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em conluio
com os ministérios do Meio Ambiente, Infraestrutura e Agricultura.
O projeto
econômico do governo Bolsonaro responde a poderosos interesses financeiros, de
corporações empresariais, muitas delas internacionais, do agronegócio e da
mineração, dentre outras. Por isso, é um governo fortemente entreguista,
antinacional, predador, etnocida, genocida e ecocida.
Reivindicações do
XV Acampamento Terra Livre Diante
do cenário sombrio, de morte, que enfrentamos, nós, participantes do XV
Acampamento Terra Livre, exigimos, das diferentes instâncias dos Três Poderes
do Estado brasileiro, o atendimento às seguintes reivindicações:
Demarcação de
todas as terras indígenas, bens da União, conforme determina a Constituição
brasileira e estabelece o Decreto 1775/96. A demarcação dos nossos territórios
é fundamental para garantir a reprodução física e cultural dos nossos povos, ao
mesmo tempo que é estratégica para a conservação do meio ambiente e da
biodiversidade e a superação da crise climática.
Ações
emergenciais e estruturantes, por parte dos órgãos públicos responsáveis, com o
propósito de conter e eliminar a onda crescente de invasões, loteamentos,
desmatamentos, arrendamentos e violências, práticas ilegais e criminosas que
configuram uma nova fase de esbulho das nossas terras, que atentam contra o
nosso direito de usufruto exclusivo.
Exigimos e
esperamos que o Congresso Nacional faça mudanças na MP 870/19 para retirar as
competências de demarcação das terras indígenas e de licenciamento ambiental do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e que essas
competências sejam devolvidas ao Ministério da Justiça (MJ) e à Fundação
Nacional do Índio (Funai).
Que a Funai e
todas as suas atribuições sejam vinculadas ao Ministério da Justiça, com a
dotação orçamentária e corpo de servidores necessários para o cumprimento de
sua missão institucional de demarcar e proteger as terras indígenas e assegurar
a promoção dos nossos direitos.
Que o direito de
decisão dos povos isolados de se manterem nessa condição seja respeitado. Que
as condições para tanto sejam garantidas pelo Estado brasileiro com o reforço
das condições operacionais e ações de proteção aos territórios ocupados por
povos isolados e de recente contato.
Manutenção do
Subsistema de Saúde Indígena do SUS, que é de responsabilidade federal, com o
fortalecimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a garantia da
participação e do controle social efetivo e autônomo dos nossos povos e as
condições necessárias para realização da VI Conferência Nacional de Saúde
Indígena.
Reiteramos a
nossa posição contrária a quaisquer tentativas de municipalizar ou estadualizar
o atendimento à saúde dos nossos povos.
Efetivação da
política de educação escolar indígena diferenciada e com qualidade, assegurando
a implementação das 25 propostas da segunda Conferência Nacional e dos
territórios etnoeducacionais.
Recompor as
condições e espaços institucionais, a exemplo da Coordenação Geral de Educação
Escolar Indígena, na estrutura administrativa do Ministério da Educação para
assegurar a nossa incidência na formulação da política de educação escolar
indígena e no atendimento das nossas demandas que envolvem, por exemplo, a
melhoria da infraestrutura das escolas indígenas, a formação e contratação dos
professores indígenas, a elaboração de material didático diferenciado.
Implementação da
Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas
(PNGATI) e outros programas sociais voltados a garantir a nossa soberania
alimentar, os nossos múltiplos modos de produção e o nosso Bem Viver.
Restituição e
funcionamento regular do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e
demais espaços de participação indígena, extintos juntamente com outras
instâncias de participação popular e controle social, pelo Decreto 9.759/19. O
CNPI é uma conquista nossa como espaço democrático de interlocução,
articulação, formulação e monitoramento das políticas públicas específicas e
diferenciadas, destinadas a atender os direitos e aspirações dos nossos povos.
Fim da violência,
da criminalização e discriminação contra os nossos povos e lideranças,
praticadas inclusive por agentes públicos, assegurando a punição dos
responsáveis, a reparação dos danos causados e comprometimento das instâncias
de governo na proteção das nossas vidas.
Arquivamento de
todas as iniciativas legislativas anti-indígenas, tais como a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 215/00 e os Projetos de Lei (PL) 1610/96, PL
6818/13 e PL 490/17, voltadas a suprimir os nossos direitos fundamentais: o
nosso direito à diferença, aos nossos usos, costumes, línguas, crenças e
tradições, o direito originário e o usufruto exclusivo às terras que
tradicionalmente ocupamos.
Aplicabilidade
dos tratados internacionais assinados pelo Brasil, que inclui, entre outros, a
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Convenções da
Diversidade Cultural, Biológica e do Clima, a Declaração da ONU sobre os
Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração Americana dos Direitos dos Povos
Indígenas.
Tratados esses
que reafirmam os nossos direitos à terra, aos territórios e aos bens naturais e
a obrigação do Estado de nos consultar a respeito de medidas administrativas e
legislativas que possam nos afetar, tal como a implantação de empreendimentos
que impactam as nossas vidas.
Cumprimento, pelo
Estado brasileiro, das recomendações da Relatoria Especial da ONU para os povos
indígenas e das recomendações da ONU enviadas ao Brasil por ocasião da Revisão
Periódica Universal (RPU), todas voltadas a evitar retrocessos e para garantir
a defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas do Brasil.
Ao Supremo
Tribunal Federal (STF), reivindicamos não permitir e legitimar nenhuma
reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras
tradicionais. Esperamos que, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365,
relacionado ao caso da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng,
considerado de Repercussão Geral, o STF reafirme a interpretação da
Constituição brasileira de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário)
e que exclua, em definitivo, qualquer possibilidade de acolhida da tese do Fato
Indígena (Marco Temporal).
Realizamos este
XV Acampamento Terra Livre para dizer ao Brasil e ao mundo que estamos vivos e
que continuaremos em luta em âmbito local, regional, nacional e internacional.
Nesse sentido, destacamos a realização da Marcha das Mulheres Indígenas, em
agosto, com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”.
Reafirmamos o
nosso compromisso de fortalecer as alianças com todos os setores da sociedade,
do campo e da cidade, que também têm sido atacados em seus direitos e formas de
existência no Brasil e no mundo.
Seguiremos dando
a nossa contribuição na construção de uma sociedade realmente democrática,
plural, justa e solidária, por um Estado pluricultural e multiétnico de fato e
de direito, por um ambiente equilibrado para nós e para toda a sociedade
brasileira, pelo Bem Viver das nossas atuais e futuras gerações, da Mãe
Natureza e da Humanidade. Resistiremos, custe o que custar!
Brasília (DF), 26 de abril de 2019.
XV ACAMPAMENTO
TERRA LIVRE
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO
BRASIL (APIB) MOBILIZAÇÃO
NACIONAL INDÍGENA (MNI)
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